domingo, 20 de maio de 2012

ALEX & CRIS NA REVISTA CRÁS!

Algumas décadas atrás, quando a Editora Abril possuía um dinâmico e pujante estúdio de Histórias-em-Quadrinhos, não só a Turma da Mônica encontrava espaço nas bancas, mas outros tantos artistas brasileiros trabalhavam para e editora de Victor Civita, lançando interessantes publicações. O projeto mais ousado talvez tenha sido a revista Crás! (o título já apresentando óbvia referência a uma das mais conhecidas onomatopéias das HQs), o primeiro número lançado em fevereiro de 1974, formatão europeu, 64 páginas coloridas apresentando diversos artistas & variados personagens dos Quadrinhos brasileiros, como Renato Canini (e seu Kactus Kid); José Lanzelotti (Iara); Ivan Saidenberg e Nico Rosso (Vavavum); Waldir Igayara (Nina e Felisberto); Ruy Perotti (Satanésio); Jayme Cortez (Zodiako, no segundo número), Primaggio Mantovi (Cafuné & Acácio) entre outras tantas feras. Infelizmente o formato europeu vingou somente nas duas primeiras edições de Crás!, sendo que a partir do número 3 a publicação foi lançada em formatinho, ainda produzida integralmente por artistas brasileiros, mas mostrando somente personagens infantis - e desta forma ainda durou alguns bons números.

Abaixo segue uma HQ de personagens que foram grande destaque nos dois primeiros números de Crás!: Alex & Cris, escrita por Octaviano Ribeiro e ilustrada por Walmir Amaral de Oliveira, este gigantesco talento da HQ. Walmir Amaral de Oliveira é carioca do Méier, nascido em dezembro de 1939. Autodidata, começou a trabalhar na Rio Gráfica Editora (RGE) em 1957, destacando-se quando, findo o material do Black Rider nos EUA, e diante da necessidade de se manter esse título que era um dos mais rentáveis nas bancas brasileiras, foi encarregado de produzir HQs do Cavaleiro Negro. Além do herói mascarado do faroeste, nos 33 anos em que trabalhou para a editora de Roberto Marinho, Walmir produziu incontáveis capas e HQs dos mais famosos personagens, incluindo Sir Falcon/Águia Negra; Phantom Ranger/Cavaleiro Fantasma; Straight Arrow/Flecha Ligeira - e, como não poderia deixar de ser, os carros-chefe da RGE, aqueles criados por Lee Falk, The Phantom/Fantasma e Mandrake - sem falar nas belíssimas capas e ilustrações retratando clássicos personagens dos comics que Walmir produziu para o Gibi Semanal na década de 70 do século passado. Dentre os personagens brasileiros dos Quadrinhos, desenhou por muito tempo O Vingador e outro que se tornou um dos mais famosos hérois brasucas dos gibis: O Anjo. Enfim, não há quem tenha lido gibis nos anos 60 e 70, que não reconheça imediatamente o traço bonito & vigoroso de Walmir Amaral de Oliveira. Como vocês mesmo poderão conferir a seguir, nesta aventura de Alex & Cris publicada no primeiro número de Crás! pela Editora Abril. Alex & Cris formam um sexy casal de agentes secretos, enfrentando a bandidagem onde quer que se encontre. A inspiração parece mesmo The Seekers (no Brasil, Os Panteras), de John Michael Burns - curiosamente, o próprio Walmir Amaral desenharia uma capa para uma edição especial de The Seekers, no número 5 do Gibi Especial da RGE (setembro de 1975). E, certamente, se Octaviano e Walmir pudessem ter dado seqüência a Alex & Cris, alcançariam um nível tão bom quanto aquele alcançado pelo artista inglês.


 








NÁUFRAGOS DO ESPAÇO


As novas tecnologias para impressão gráfica desenvolvidas a partir de meados da década de 50 do século passado, e notadamente a partir da década seguinte, alcançaram também o mercado editorial brasileiro e possibilitaram a expansão de pequenas editoras, o que significou um número incalculável de gibis que foram lançados, a maioria como sempre de material estrangeiro, mas também muito material brasileiro, período em que despontaram das mentes e das mãos de artistas iluminados, múltiplos personagens inesquecíveis para os leitores da ocasião, e mesmo depois de tanto tempo ainda são objeto de admiração e estudo, ou mesmo de uma crônica descompromissada, como esta que vocês lêem agora. Editores, roteiristas e ilustradores brasileiros das HQs não perderam aquela “onda” e tiveram no período um campo aberto para mostrar e comercializar sua arte. Editoras nascidas em garagens ou fundos de quintais aos poucos foram ganhando estrutura e lançavam inúmeros títulos de circulação nacional. La Selva, Outubro-Continental, Gráfica e Editora Penteado (GEP) e Taíka são os nomes mais lembrados, cada uma delas merecendo uma pesquisa mais apurada, entre tantas outras como a paulistana Editora Roval de Salvador Bentivegna (ex-La Selva). Antes que passasse a se chamar Gorrion (que chegou até a publicar pioneiramente alguns personagens da Marvel no Brasil, Luke Cage, Linda Carter Enfermeira da Noite e se não me engano até o Conan), lançou este gibi dos Náufragos do Espaço, muito provavelmente nos primeiros anos da década de 1970. Totalmente produzido por Sérgio Carpanese, Náufragos do Espaço é uma história-em-quadrinho de ficção-científica primorosa, que merecia virar filme de cinema. O autor mescla com muito talento as influências européia e estadunidense e acaba criando um estilo muito peculiar, agradabilíssimo de se ver, enquanto vai narrando as peripécias de cinco aventureiros do espaço. Ninguém melhor do que o próprio Carpanese para contar a sinopse da HQ, logo no primeiro quadro: “Cinco terrestres naufragam em um planeta desconhecido. Seres sedentos de sangue, tribos humanóides e estranhos monstros vêm modificar-lhes a existência, fazendo-os viver a cada momento novos episódios, cheios de aventura”. Ao tratar sobre povos futuristas numa história fictícia, o autor demonstra conhecimento sobre os antigos povos da humanidade. Infelizmente ainda tenho pouca ou quase nenhuma informação sobre este gibi que é o número 1 de Os Náufragos do Espaço. Há pelo menos dois anúncios muito interessantes: o do próximo número da revista (será que saiu?), e de um outro título da Roval, também produzido por artista brasileiro: Jacob Wizard, O Feiticeiro, por Moacir Rodrigues. Será que chegou a ser lançado? Bem, a esperança é que outros caça-gibis mais experientes venham em meu socorro... (JS)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O VINGADOR

Houve um tempo em que os heróis mascarados do faroeste eram os mais populares nas bancas, não só nos EUA mas no Brasil também, onde personagens como Zorro/Lone Ranger, Cavaleiro Negro/Black Rider e Durango Kid eram os títulos mais vendidos, e suas aventuras, as mais apreciadas pelos leitores. Por todo o mundo surgiram personagens de Quadrinhos baseados nos grandes sucessos estadunidenses, e no Brasil não foi diferente, sendo que um deles merece nossa apreciação neste fanzine, pela inesperada repercussão que teve no passado: O Vingador. Lançado pela Editora Outubro em 1961, criação de Hélio Porto e ilustrado inicialmente por Walmir Amaral de Oliveira (capa do primeiro número desenhada por Jayme Cortez), O Vingador teve 40 números, além de almanaques e histórias publicadas em gibis de outros personagens. A Editora Outubro publicou-o até 1966, sendo que, a partir de 1972, foi relançado pela Editora Taíka (que na verdade, republicou as antigas aventuras do herói), durando mais 20 números e alguns almanaques.


Além de Hélio Porto, O Vingador teve histórias escritas por Helena Fonseca e Gedeone Malagola; alguns de seus ilustradores também foram responsáveis pelos roteiros, como por exemplo Walmir Amaral, Osvaldo Talo e Miguel Lima. Outros que desenharam o herói mascarado foram Ernesto Capobianco, Juarez Odilon, Edmundo Ridrigues, Nico Rosso, Lyrio Aragão, Fernando de Lisboa e José Delbó (o argentino que posteriormente trabalharia nos EUA desenhando famosos personagens dos Quadrinhos, tais como Turok e Lone Ranger para a Gold Key, bem como a Mulher Maravilha/Wonder Woman e o Superman para a DC Comics). Além de Jayme Cortez, Sérgio Lima e Rodolfo Zalla também produziram capas para O Vingador.

Como era baseado em personagens dos comics de faroeste norte-americano, a origem do Vingador não poderia fugir muito disso: Nelson Coston é um jovem que tem o pai covardemente assassinado e que, após conseguir sua vingança, torna-se cavaleiro errante das pradarias. Certo dia, salva um velhinho de uma baita enrascada - e o tal velhinho era ninguém menos do que o Vingador original que, sentindo o peso dos anos, repassa sua máscara para Nelson. Diferente do Lone Ranger que não tira a máscara nem para dormir, mas semelhante ao Cavaleiro Negro e ao Durango Kid, Nelson torna-se a identidade secreta do renovado Vingador. A respeito daquele “velhinho” que foi salvo por Nelson, lembremo-nos de que antes deste Vingador de Hélio Porto & Valmir Amaral, a HQB já registrara, duas décadas antes, outro caubói mascarado homônimo, com histórias escritas por Péricles do Amaral (o memorável autor do Capitão Atlas) e desenhado por Fernando Dias da Silva - e tudo indica que talvez esta tenha sido a referência para a origem do Vingador da Editora Continental. Posteriormente, nos primeiros anos da década de 80 do século passado, outro Vingador mascarado do velho oeste cavalgou nas páginas dos gibis, desta feita para a editora paranaense Grafipar/Bico de Pena, em histórias criadas por Franco de Rosa.

TAMBU & KOREME

Dentre os mais imitados personagens dos comics, certamente está o Tarzan de Edgar Rice Burroughs. Nos EUA houve um plágio de ótima qualidade, Kaänga (Kionga, no Brasil), que chegou a ser ilustrado por um dos desenhistas do Tarzan, John Celardo. No Brasil o mais famoso “clone” do Rei das Selvas é Targo, publicado com sucesso em nosso mercado editorial nos anos 60 e 70 do século passado, em várias revistas e almanaques, tendo sido desenhado por mestres como Nico Rosso e Rodolfo Zalla. Além de Targo podemos citar Tarun (Paulo I. Fukue) e Hur (Wilson Fernandes). Mas, antecedendo a todos esses, tivemos Tambu, O Herói das Selvas, produzido por Gedeone Malagola por volta de 1952 para a Editora Júpiter. Quem nos fala sobre isso é o próprio Gedeone: “quando a Júpiter comprou [os direitos] de algumas revistas americanas, veio o Kaänga , do qual tínhamos autorização para publicar com outro nome. Então surgiu Tambu. Entre algumas práticas lamentáveis resultantes da pouca experiência editorial da época, houve as deformações das páginas originais, por motivos de economia, além da grafia incorreta do nome do personagem, pois Tambu não tem acento!”






Também outra personagem dos comics, a conhecida Sheena A Rainha das Selvas acabou causando furor e gerando diversas imitações em todos os países onde existisse gibis (uma popularidade que perdeu e ainda não conseguiu recuperar). Gedeone Malagola, no digno laboratório de HQs que se tornou a Editora Júpiter, criou também uma "Sheena" brazuca: Koreme, aparecia em aventuras solo ou ao lado de Tambú. (JS)

domingo, 3 de julho de 2011

CAPITÃO ATLAS

Baseado em programa radiofônico criado por Péricles do Amaral, o Capitão Atlas veio a tornar-se o primeiro herói brasileiro dos Quadrinhos a ganhar gibi próprio, lançado em 28 de fevereiro de 1951 pela Editora Ayroza. Esta primeira fase das aventuras do Capitão Atlas em Quadrinhos durou 24 números, com roteiros do próprio criador Péricles do Amaral (escritor talentoso e muito criativo), tendo desenhistas como Vasquez, Luiz (de quem não conseguimos maiores informações), além de Fernando Dias da Silva e André Le Blanc - este último mais conhecido entre os estudiosos dos comics, de origem haitiana radicado no Brasil, artista muito profícuo da Editora Brasil América Ltda. (Ebal) de Adolfo Aizen, posteriormente Le Blanc trabalhou nos EUA, tornando-se assistente de Al Capp, o célebre autor do Ferdinando/ L’il Abner. A popularidade do Capitão Atlas não se restringiu ao rádio e aos Quadrinhos, tendo também ganho sua versão para a televisão, em seriado exibido pela TV Rio - evidentemente nenhum registro deste programa de tv chegou até os dias de hoje, como o de nenhum outro dos primórdios da televisão brasileira.


A partir de 1959, as aventuras do Capitão Atlas em Quadrinhos ganharam nova série de gibis através da Editora Garimar (também do Rio de Janeiro). As mesmas histórias produzidas na Editora Ayroza ganharam novas versões, mais detalhadas, agora pelas mãos de artistas talentosos como Getúlio Delphin, Ernesto Garcia e Fernando de Lisboa. Esta nova série durou 12 números. E a popularidade do Capitão Atlas ainda persistiu por alguns anos, sendo que a mesma Editora Garimar tentou uma nova série de aventuras com o herói das selvas brasileiras, a partir de junho de 1966. Parece que nesta 3ª. fase foram reeditadas as histórias publicadas pela Garimar anteriormente. Tenho o primeiro número desta 3ª. fase do Capitão Atlas (a 2ª. pela Garimar), que me foi presenteado pelo saudoso amigo & parceiro Gedeone Malagola, onde consta a história “No Reino Do Dr. Ignátis”, publicada originalmente no número 2 da Editora Ayroza (com desenhos de Luiz), mas neste gibi cuja capa vos apresentei há pouco, a HQ interna é assinada por Getúlio Delphin, e que muito provavelmente já havia sido publicada na 1ª fase da Garimar.

A inspiração do CapitãoAtlas é o Jim das Selvas/Jungle Jim, de Alex Raymond. Atlas vive suas aventuras nas florestas ao lado de seus companheiros Chico (um índio), Tunicão (um cangaceiro), do jovem Quati e de sua namorada, Rainha. As histórias mesclam os gêneros de aventura na selva com ficção científica, e até mesmo uma pontinha de terror-suspense, notabilizando a criatividade do autor Péricles do Amaral. (JS) fontes de pesquisa: Fã Zine de José Eduardo Cimo e O Castelo de Recordações de José Magnago.

terça-feira, 28 de junho de 2011

SANJURO O SAMURAI IMPIEDOSO



O velho oeste estadunidense e o Japão feudal parecem fontes inesgotáveis para roteiristas de todos os gêneros de arte, e não por acaso o cinema e a literatura mostram filmes e livros que reúnem estes dois universos tão distintos, mostrando algum ou alguns habitantes da distante Terra do Sol Nascente vivendo aventuras nas pradarias da porção norte da América, e vice-versa. As Histórias-em-Quadrinhos também não ficariam fora desta: aqui no Brasil foi lançado no ano de 1973 um gibi de formato europeu mostrando um personagem com estas características, um japonês enfrentando problemas no faroeste: trata-se de Sanjuro, O Samurai Impiedoso, lançado pela M&C Editores - “M” de Minami Keizi e “C” de Carlos da Cunha, sendo que o personagem foi criado pela dupla Paulo Hamsaki-Paulo Fukue. Bem, constatando os nomes de Keizi, Hamasaki e Fukue, parecemos estar diante de uma dissidência da Editora Edrel, já que todos trabalharam lá. Outros títulos lançados pela M&C foram QI, A Pausa, Curtição, UAU, além das renovadas versões da Múmia (Gedeone Malagola e Ignácio Justo) e do Lobisomem (Gedeone e Nico Rosso).
Voltando a Sanjuro, abrindo a revista temos um prefácio muito criativo, os autores auto-desenhados apresentam eles mesmos a história que viria a seguir, mostrando o conhecimento que têm dos fatos históricos e introduzindo os leitores para a aventura. E, de fato, não há do que reclamar, pois Sanjuro é mesmo uma HQ espetacular, roteiro dinâmico e desenhos belíssimos. Se fosse feita nos EUA ou no Japão tornar-se-ia série longeva e notável, mas aqui na tristeza dos trópicos não teve muita chance, e tudo leva a crer que Sanjuro ficou só neste número. De qualquer forma, para qualquer paciente e cuidadoso historiador dos Quadrinhos, Sanjuro merece ser lembrado como um dos ótimos personagens da HQ brasileira já criados. O homem do título é o chefe da guarda do embaixador do Japão nos EUA, cuja comitiva se encontra numa viagem ferroviária cruzando vales, planícies e montanhas para levar um valioso regalo ao presidente norte-americano: uma linda espada cravejada de diamantes. Claro, facínoras de todo tipo ficaram sabendo disso e o trajeto será cheio de perigos. A saga divide-se em três capítulos interligados mas ao mesmo tempo perfeitamente compreensíveis por si sós, como se fossem curtas HQs independentes. Sanjuro encontra bandidos e valentões armados de colts e winchesters que ele enfrenta com sua habilidade na espada e nos shurikens, as mortais estrelas pontiagudas de metal. E, claro, como todo bom herói que se preze, está sempre dando sua ajuda para a gente boa, especialmente aos apaches. Ação e violência não são as únicas preocupações dos autores, mas também mostrar o choque cultural entre pessoas de nações tão distintas - não raro Sanjuro reclama da falta de civilidade do povo americano a quem considera “ignorante e mal informado”. Fukue é lembrado pelos heróis que desenhou para a Edrel: Tarum, Super Heros e Pabeyma. Hamasaki, mesmo jovem na época já havia tido boa experiência como estagiário da Cooperativa Editora e Trabalho de Porto Alegre (CEPTA), no início da década de 1960. Pela M&C teve outra personagem com gibi próprio, a impagável Jana. Depois de muito participar na criação de HQs de terror, passou pela Grafipar (Curitiba) e pouco depois tornou-se editor independente, relançando alguns de seus personagens que haviam aparecido na editora paranaense, como Ágata e Torn. Acabou se tornando diretor da arte dos estúdios de Maurício de Souza. No ano de 2005 voltou a lançar um gibi de faroeste, agora pela Editora Noblet: Cavaleiros do Oeste, com ótimas HQs e excelente edição em formato americano, mas pelo visto ficou só no primeiro número, totalmente ignorado pelos leitores compatriotas – claro, se fosse lançado pela Marvel ou DC talvez fizesse sucesso por aqui. (JS)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

SATANIK / U-235 O HOMEM CIBERNÉTICO

É evento banal, infelizmente, na trajetória das Histórias-em-Quadrinhos no Brasil, nascimento & morte prematura de diversos personagens, por vezes publicados numa única historieta, ou num único gibi. Este Almanaque De Aventuras, publicado pela paulistana Editora Taíka, mostra dois exemplos muito claros deste tipo de fenômeno comum na História dos personagens brasileiros dos Quadrinhos. No Fã Zine n. 18, memorável publicação de José Eduardo Cimó lançada em 1994, uma formidável antologia de famosos e/ou esquecidos personagens brasileiros dos gibis, explica-se claramente a origem deste Almanaque de Aventuras: “Uma edição única de 100 páginas em preto e branco, em que apareceu Satanik. Isto no ano de 1970, quando a Editora Taíka se encontrava em concordata e precisava faturar qualquer coisa, então publicaram Satanik que estava engavetado há anos. Criação de Emilmar D´Alba Di Tullio, com roteiro de Rubens Francisco Luchetti, desenhos de Di Tullio e arte-final de Nico Rosso. Conta Luchetti: num dia de outubro de 1967, Emilmar, um jovem esperançoso, excelente desenhista, com a cabeça cheia de idéias, bateu à porta da casa de Nico Rosso, sobraçando alguns esboços de um personagem que ele criara, chamado ‘Shatan’. O Nico ficou de tal forma impressionado com os desenhos do jovem que o fez procurar por mim, que, baseado naquelas idéias escrevi o primeiro roteiro, rascunhado pelo próprio Tullio, com arte-final do Rosso, e o personagem passou a se chamar Satanik.”








São duas as HQs com Satanik nesta edição única do Almanaque De Aventuras: “O Que Será Satanik?”, contando sua origem, e “A Ilha Pirata”. Quem era Satanik? A própria legenda de abertura tenta explicar: “Um justiceiro? Um agente secreto? Um aventureiro? Um herói? Talvez tudo isto numa só pessoa.” De fato, Satanik é um agente secreto norte-americano, mas de nome brasileiro, Felipe, que acaba caindo de avião na selva amazônica, sobrevive milagrosamente e é salvo por um cientista, que lhe restaura a face dando-lhe novas feições e também um uniforme super-resistente, e que lembra muito aqueles utilizados pelos heróis em Quadrinhos da Golden Age, notadamente o Homem-Rádio. Produto de seu tempo, Satanik vive intensamente o clima da Guerra Fria, enfrentando espiões e espiãs de potências totalitárias. Os roteiros primam pela aventura sem deixar de lado o bom-humor, e a dupla de desenhistas possui dinamismo maravilhoso, especialmente nas seqüências de pancadaria, com irresistível apelo juvenil.
O Almanaque de Aventuras encerra com interessante HQ de outro super-herói brasileiro, U-235 O Homem-Cibernético, criação de Ignácio Justo. Antes de falar mais especificamente deste personagem, um parênteses: Satanik e Homem-Cibernético têm mais em comum do que a existência efêmera e participação na mesma revista: é que Rosso, Luchetti e Justo muito pouco trabalharam com o estilo dos super-heróis. Todos artistas muito ecléticos e versáteis, mas tanto Luchetti quanto Rosso são mais conhecidos pelo que fizeram nos Quadrinhos de terror; e Justo (tenente-aviador na vida real), destacou-se sobremaneira nas histórias de guerra. E a guerra é pano-de-fundo para U-235, já que é criação robótica de um ex-aviador nazista que ficou paralítico nos conflitos aéreos na Europa durante a 2ª. Guerra Mundial, e mais do que ter perdido o movimento das pernas, o cientista é tomado pelo remorso e desde então só pensa em fazer o bem para a humanidade. Refugia-se no Brasil onde adota uma criança e todas as experiências que faz visam melhorar a vida dos semelhantes. O filho cresce e torna-se ele também um oficial da Força Aérea, e é na imagem do próprio filho adotivo que o cientista paraplégico cria um super-robô poderoso, forte e cheio de engenhocas, capaz de soltar raios pelos dedos e portando um invocado cinto de utilidades (nada muito original, eu sei, já não era quando o Batman foi lançado). Segundo nos conta Antonio Luiz Ribeiro em artigo publicado no fanzine Heróis Brazucas n.21, U-235 foi considerado como apologético ao regime militar e boicotado por editores comunistas, e por isso ficou nesta única HQ. Uma pena, já que um grande artista como Ignácio Justo não teve chance de explorar os as potencialidades deste seu personagem, nem os perfis psicológicos dos coadjuvantes, nem o propício cenário para boas aventuras.