Em 1962 estreava na Rede Tupi de televisão o seriado O Vigilante Rodoviário, estrelado por
Carlos Miranda, narrando as aventuras de um ínclito policial rodoviário
buscando manter a lei e a ordem, sempre contando com a ajuda de seu
espertíssimo cachorro chamado Lobo (um pastor alemão). O seriado alcançou tremendo
sucesso de público, que chegou até mesmo a elevar a auto-estima e a
respeitabilidade dos policiais rodoviários de verdade – uma estima que persiste
até os dias de hoje (eu pelo menos, sempre que precisei da ajuda desses
policiais sempre fui prontamente atendido, com toda consideração). E a simbiose
do ator principal Carlos Miranda com o personagem foi uma daquelas marcantes
numa relação deste tipo: usou seu próprio nome para interpretar o personagem e,
após o término do seriado, prestou concurso na polícia rodoviária, passou e se
tornou um Vigilante Rodoviário de verdade! Decisão corretíssima! Abandonou a
carreira de ator e foi fazer coisa muito mais importante!
Tamanho sucesso naquela época significava ser
publicado em gibi, pois na ocasião as HQs eram um extensivo veículo de
comunicação, com centenas de títulos sendo lançados & vendidos mensalmente
nas bancas de todo o país, ao contrário dos dias de hoje quando as
Histórias-em-Quadrinhos viraram alvo de grupinhos elitistas pedantes. E no
mesmo ano de 1962 em que o seriado começou a ser transmitido, O Vigilante Rodoviário foi parar no
gibi, que infelizmente teve pouca duração (perto de uma dezena de números e um
almanaque). Curioso é descobrir, lendo este raríssimo Almanaque de O Vigilante Rodoviário lançado pela Editora Outubro, algumas
excelentes HQs do personagem em robustas 96 páginas. Começa com O Falso Vigilante!, a mais longa do
gibi, 32 páginas escritas por Gedeone Malagola e desenhadas por Osvaldo Talo,
argentino radicado no Brasil (e conhecido pelos fãs dos super-heróis da HQB
pelo Fantastic). Um ex-policial
rodoviário usa da farda que não soube respeitar para acobertar crimes de seus
comparsas. Claro que isso causa indignação geral na corporação, e Carlos
Miranda não vai deixar por menos, perseguindo a quadrilha com muita coragem e
astúcia – e com a mira calibradíssima, capaz de arrancar com um tiro o revólver
do inimigo, tal como o melhor dos personagens do western. Talo ilustra mais duas HQs neste almanaque: em “O Caso Da
Rua Espírita, 970” ,
Carlos até mesmo se disfarça de vendedor de melancias para desbaratar uma
quadrilha de ladrões de jóias (não pensem que isso é totalmente ficção: soube
por um amigo, que um colega de trabalho, também policial, disfarçou-se de
lixeiro e prendeu três seqüestradores, salvando a vítima); e em “O Seqüestro” o
Vigilante Rodoviário parte em busca de um garoto, filho de um engenheiro amigo
seu, que havia sido seqüestrado por meliantes.
Outro grande artista dos Quadrinhos Brasileiros
passou pelas páginas de O Vigilante
Rodoviário, de forma marcante, num estilo que por vezes lembra o célebre
Frank Robbins autor do Johnny Hazzard:
Flávio Colin, que tem duas HQs publicadas no referido almanaque: “ A História
De Lobo!” conta como Lobo veio a ser criado por Miranda, e sua consagração ao
salvar uma criança de um atropelamento (eu me lembro de ter visto este episódio
na tv! Pode-se dizer que a HQ foi fielmente adaptada!); Colin também assina “Ladrões
De Automóveis”, onde Carlos conta com a ajuda de um negrinho para prender outra
quadrilha de assaltantes.
Além de apreciar & desfrutar prazerosamente das
histórias contidas nesta edição, uma leitura como esta nos provoca reflexões
sobre as mudanças de hábitos e costumes ao longo dos anos. Um jovem leitor de
hoje provavelmente estranharia as sossegadas baforadas que o herói solta
tranquilamente de seu cigarro. O
Vigilante Rodoviário era um fumante (ao menos nesta HQ) e esse péssimo
hábito não o impediu de se tornar um herói da gurizada. E isso talvez não seja
problema mesmo. Naquela época, talvez não se fumasse tanto quanto hoje, e
talvez os cigarros não fossem tão nocivos na sua fabricação, como o são hoje em dia. As pessoas ainda não
haviam se dado conta dos terríveis males da ingestão maciça de nicotina. Não
importa se o herói fuma ou não. O que conta é o caráter, e isso o Vigilante
tinha de sobra, sempre defendendo a gente boa contra bandidagem, sempre preocupado
com a manutenção da ordem, interessado em ajudar as pessoas, procurando passar às
crianças noções de civilidade. Sinal dos tempos, quando muito dos “heróis” dos
quadrinhos de hoje não fumam mas são paranóicos, depravados, amorais,
assassinos. Fica a lembrança de tempos menos violentos, quando havia muito
menos automóveis e se morria menos nas estradas... tempos do Vigilante
Rodoviário.