terça-feira, 21 de setembro de 2010

O JUSTICEIRO DA ESTRADA

Quem coleciona gibis está acostumado a pesquisar e vasculhar pilhas de revistas em sebos, em busca de raridades dos Quadrinhos. E por vezes fazemos descobertas tão fascinantes das quais não temos nenhuma referência – tal como a surpresa que tive ao me deparar com este exemplar único de O Justiceiro da Estrada. Sempre que encontro exemplares raros assim, a primeira coisa que faço, antes mesmo de conferir o nome dos autores, é procurar saber a data de publicação. A este respeito, há uma pista na contracapa, no canto inferior direito, onde pode ser lido em letra pequenas: “Edição SSB – Direitos Reservados – 1970”. Por outro lado, não encontrei no gibi qualquer informação a respeito dos autores da HQ inclusa, chamada “O Mistério Dos Carneiros Sem Rastro”, que se estende por todas as 32 páginas (formato americano). Diante disso, desta falta de informações, enviei reprodução da capa e de algumas páginas internas para o amigo Edgard Guimarães, que certamente me ajudaria nesta elucidação. Eis a resposta que me enviou o célebre editor do centenário fanzine Quadrinhos Independentes: “Agora você cavou fundo! Nunca tinha visto nenhuma referência a este personagem. A única coisa que posso dizer é que esse estilo de desenho, com referência fotográfica, vários tipos de retícula, abuso de onomatopéias, foi muito usado pelo desenhista paranaense Leisenfeld na década de 70 do século passado. Saiu uma HQ dele na primeira fase do Historieta (nota: fanzine editado pelo gaúcho Oscar Kern, que marcou História na HQB), e algumas no início da Grafipar. Infelizmente produziu pouco”.

Após a leitura de O Justiceiro da Estrada, fica evidente tratar-se de campanha publicitária para divulgação dos caminhões Scania – mas, longe de ser um simples catálogo, a HQ é divertida e muito bem produzida. Ponto para o marqueteiro que pensou nisso! E este intrépido e desconhecido herói mascarado possui tripla identidade: pode ser tanto o empresário Francisco do Prado Filho, diretor-presidente de uma empresa agro-industrial e exportadora; quando deixa a barba crescer por alguns dias é o caminhoneiro Chico Sampaio, a percorrer as estradas do país ao lado de seu companheiro Japa (personagem que dá o tom humorístico da história); e finalmente, quando veste botas, casacão invocado e diminuta máscara, montado num possante caminhão Scania (escondido num depósito que lembra os esconderijos clássicos dos super-heróis), torna-se o Justiceiro da Estrada, terror dos bandoleiros do asfalto. As motivações de Francisco no combate ao crime datam de sua adolescência, quando presenciou o assassinato de seu pai João Sampaio, vítima de jagunços de um coronel oligarca. Por isso a assinatura do herói, JS, lembrando as iniciais do nome de seu pai, mas que o deixam conhecido como o “Justiceiro do Scania”. Nesta aventura, o herói mascarado dá conta de enfrentar contrabandistas de carneiros.


Curioso é que no final daquela mesma década a Scania voltaria a investir em publicidade noutro veículo de comunicação de massas (antigamente os Quadrinhos eram lidos por multidões), com o seriado televisivo Carga Pesada (que teve uma horrenda refilmagem recentemente, na primeira década do século XXI). O caminhão usado no seriado não é o mesmo da HQ do Justiceiro da Estrada, mas sim um mais moderno, a cabine quadrangular com a dianteira “achatada”. Ainda no primeiro seriado, talvez por não se renovar o contrato, o caminhão Scania (o grande astro do programa) acabou sendo substituído por um Dodge bem fubega. Os roteiros também decaíram (mas ainda longe da ruindade do que foi visto recentemente) e a série terminou. Foi, entretanto, um seriado muito marcante. Lembro-me de que, ainda garotinho, obriguei meu avô a me levar numa revendedora Scania em São José do Rio Preto/SP, só para ver de perto e montar na cabine num daqueles “brutos”. Carga Pesada teve também uma versão em Quadrinhos, com desenhos de Julio Shimamoto, não sei se um ou dois números, mas sem retratar o Scania, e sim aquele malfadado Dodge.

KATE MOON

Kate Moon é uma personagem criada por artistas brasileiros dos Quadrinhos, mas que vive suas aventuras no torvelinho dos violentos conflitos entre soldados do Exército dos EUA e os nativo-americanos no quarto final do século XIX. Teve uma única aventura lançada nas bancas, dentro da antológica coleção Histórias do Faroeste, no formato “fumettinho” pela Editora Vecchi – mais precisamente no derradeiro número 28, de setembro de 1982. Os autores Luiz Antônio Aguiar (roteiro) e Julio Shimamoto (desenhos) produziram uma segunda HQ com esta sensual heroína das pradarias, mas infelizmente Histórias do Faroeste foi cancelada antes que esta segunda aventura pudesse ter sido publicada (Julio Shimamoto me confessou que produziu estas duas HQs com muito entusiasmo). Esta segunda história com Kate Moon, chamada “Meu Amor Vermelho”, jamais chegou nas bancas mas foi publicada em fanzine, mais especificamente em Heróis em Ação n.7 (março de 2005). Desculpem, mas a modéstia não me permite citar o nome do editor desse fanzine...



quinta-feira, 9 de setembro de 2010

REX

Rex, criado e ilustrado por Watson Portela, é personagem de História-em-Quadrinho do gênero faroeste publicado nas revistas da Editora Grafipar e depois em edição especial de 96 páginas pelos grupos Bico de Pena/Clube dos Quadrinhos, no início da década de 80 do século passado. A inspiração óbvia é o Jonah Hex da DC Comics, mas a melhor notícia ao se ler Rex é descobrir que não é tão ruim quanto aparenta, ao contrário, personagem e história têm sim muito mais virtudes do que defeitos (a primeira virtude, de cara, são os belíssimos desenhos), e em sua concepção busca se diferenciar do cow-boy da DC. Assim como seu modelo estadunidense, Rex tem o rosto deformado – mas não por ponta de punhal em brasa (caso do Jonah Hex), e sim por conseqüência de patada de urso. E pelo visto a deformidade em nosso Rex feriu mais profundamente sua alma do que a vaidade: além do rosto com feições cadavéricas, perdeu totalmente o uso de suas cordas vocais, fazendo com que sofresse conflito existencial e acabasse por abandonar mulher e filhos (sendo que, neste caso, ao menos chegou a tempo de salvá-los das mãos de facínoras). De qualquer forma, Rex está condenado a vagar em solidão através das montanhas geladas, o triste destino dos homens rejeitados pela morte... outra característica que diferencia nosso Rex do Jonah Hex, é que o personagem de Portela carrega consigo, acoplado na mão direita, a pata decepada do urso que havia lhe desfigurado o rosto. Se uma “luva” como esta não é lá muito propícia para se sacar um colt, ou disparar uma winchester, ao menos as afiadas unhas do pobre animal acabam se tornando uma boa alternativa para se lidar com sujeitos folgados. A saga de Rex teve arte de Watson Portela, sendo arte-finalizado por Franco de Rosa e também por Itamar Gonçalves (que chegou a ilustrar algumas páginas inteiras).


CYPRUS HOOK

Cyprus Hook, personagem de Quadrinho do gênero faroeste, lançado na década de 80 do século passado, foi criado por um talentoso roteirista brasileiro, Julio Emilio Braz. Cyprus Hook é um
ex-combatente, deformado durante as batalhas da Guerra Civil norte-americana (perdeu a mão direita, onde ostenta um gancho – daí o nome, Hook, que é “gancho”, em inglês), que, perseguido por crimes que não cometeu, vaga sem destino pelo velho oeste ao lado de seu único aliado, o nativo-americano Skookum, a quem Cyprus havia salvado da morte. As histórias deste anti-herói maneta diferenciavam-se das demais do gênero devido, principalmente, a violência explícita, por vezes lembrando mais um roteiro de filme gore do que de faroeste (se bem que há spaghetti westerns muito sangrentos, também). Escalpos, canibalismo, decepamentos, tudo mostrado sem frescura. Mas claro que seria muito difícil para os leitores de hoje, ficarem chocados com as cenas de Cyprus Hook, como nós ficamos na época... afinal, hoje em dia, com as artes praticamente dominadas pela estética do gore, onde qualquer gibi banal do Superman já apresente história cheia de sangue, tripas e membros decepados, para os leitores de hoje Cyprus Hook pareceria coisa “fraca”. Cyprus Hook apareceu pela primeira vez no 23º. número da antológica coleção Histórias do Faroeste (outubro de 1981), da Editora Vecchi, numa história ilustrada por Antonino Homobono. Posteriormente, em 1987, a Press Editorial lançou uma edição única com o personagem, escrita por Braz e desta feita ilustrada por Ofeliano de Almeida (autor do Leão Negro).

O CHACAL - TONY CARSON

Os personagens de faroeste criados por artistas brasileiros dos Quadrinhos quase sempre foram baseados nos filmes italianos do gênero, os famosos spaghetti western ou bang-bang à italiana. Um notável exemplo disso é O Chacal – Tony Carson, criado por Antônio Ribeiro e desenhado majoritariamente por Jordi, mas também por Antônio Balieiro e Antonino Homobono, sendo que este último ilustrou muitas das capas dos livrinhos lançados pela Editora Vecchi. Foi na editora carioca, a propósito, onde nasceu Tony Carson, criado para suprir as histórias de um personagem italiano da Bonelli Editore chamado Judas, que vinha sendo publicado mensalmente pela Vecchi num gibi estilo “fumettinho” com o título de O Chacal. O material do Judas, entretanto, findou-se no número 16, e a redação da Editora Vecchi se viu obrigada a produzir ela mesma um personagem para substituir aquele da Bonelli (mesmo porque, na época também era lançado outro personagem de autores brasileiros criado para o gênero faroeste, e que obtinha ótimo número de venda nas bancas: Chet, de Wilde Portela e parceiros). Em outubro de 1981, chegava nas bancas o número 17 de O Chacal, apresentando a primeira aventura da série do Tony Carson, o “Chacal brasileiro”, e que reapareceria em pelo menos 11 números seguintes. Muito diferente do Judas, que era um comportado agente da Pinkerton, nosso Tony Carson não tem qualquer traço de bom-mocismo, sendo um bastado sujo e fdp, grosseiro, misógino, bruto, um caçador de recompensas amoral que só pensa em matar os facínoras e torrar o dinheiro da recompensa na jogatina, na bebida e na prostituição. A violência de Tony Carson parece não ter limites (chega até a arrancar um olho de um fora-da-lei, usando um punhal afiado).

Os desenhos despojados, por vezes toscos, das histórias (conseqüência principalmente dos apertados prazos, de se lançar um título mensal com média de 100 páginas), davam a elas aspecto ainda mais sujo – embora com uma pitadinha de bom humor, nem sempre mórbido. O roteirista Antônio Ribeiro, posteriormente, escreveu vários livros de faroeste para a Editora Fittipaldi, além de trabalhar em tiras cômicas para jornais estadunidenses, sempre assinando com o pseudônimo de... Tony Carson! O Chacal – Tony Carson ainda foi lançado em bancas nacionais por outras duas editoras independentes, a Nova Sampa (responsável por uma única edição em formato de comics) e a BLC Edições, mas apenas alguns poucos números que somente republicaram HQs lançadas pela Editora Vecchi.