segunda-feira, 2 de agosto de 2010

GUERREIRO NINJA


A trajetória das Histórias-em-Quadrinhos no Brasil possui marcante tradição no que diz respeito aos personagens de artes marciais, como por exemplo O Judoka (Pedro Anísio e Baron), Mão de Ferro (Minami Keizi e Ignácio Justo), Karatê 09 (Cláudio Seto), Sanjuro O Samurai Impiedoso (Paulo Hamasaki e Paulo Fukue), O Ninja (Deodato Filho, t.c.c. Mike Deodato), Kung Fu (Hélio do Soveral e José Menezes), Karatê Men (Wilson Hisamoto e Kemi Shimizu), Cinthia (Paulo Yokota), Mestre Kim (Luiz A.Aguiar), entre outros. E dentre estes outros, temos o Guerreiro Ninja criado por Tony Fernandes. Fernandes e equipe formaram, a partir dos anos 80 do século passado, um dos mais produtivos estúdios de HQs, tendo lançado, seja com selo próprio (Editora Phênix) ou por outras editoras (especialmente a Noblet) vários gibis de variados gêneros, tamanhos e personagens. Dentre os tipos super-heróicos, tivemos Fantasma Negro e especialmente Fantastic Man, um herói de ficção-científica de ótima aceitação na época, de modo que preservou fãs até os dias de hoje (este que vos escreve, inclusive), quando Fernandes prepara o retorno triunfal do herói em edição colorida.
E, para falar do Guerreiro Ninja, ninguém melhor do que o próprio autor, por isso reproduzo a seguir um texto introdutório assinado por Fernandes, e publicado num gibi em formatinho chamado A Maldição do Guerreiro Ninja, lançado pela Editora Noblet por volta de 1996: (...) dois agentes da divisão especial da polícia de Nova Iorque se transformam em Guerreiros Ninja, para combater o crime organizado, as drogas e o terrível Mestre Higuchi, o senhor supremo da organização do mal, um black ninja que converte seus seguidores em assassinos e prega o domínio total e a submissão da humanidade à filosofia maligna (...) Steve Bishop e Susan Kinkaid (Os Guerreiros Ninjas) foram criados pelos estúdios Tony Fernandes em 1989, baseado no estrondoso sucesso dos filmes de ação, que até hoje são campeões de bilheteria, e desde então esta série nunca mais deixou de ser publicada, tornando-se verdadeiro cult do Quadrinho nacional. Sob o comando do comissário James Backer e do sensei Takemura, os Guerreiros Ninjas vieram para dinamizar a linguagem das HQs nacionais, visando atingir o público mais adulto, por isso suas aventuras são repletas de erotismo, mulheres sensuais, muita violência e ação – e acrescento: com muito bom humor. Eu, particularmente, rachei o bico ao ler a aventura “Demônio das Trevas” (publicada num gibi tamanho europeu, lançado nos anos 90 do século XX), ao perceber que Bishop, que é casado, se torna amante de Susan, e os adúlteros chegam a zombar da pobre esposa, que chora desoladamente... de fato, os heróis dos Quadrinhos passavam a viver outros tempos, onde a boa moral pouco importa.
Na verdade, Bishop e seu rival mestre Higuchi são reencarnações de dois espíritos ninjas do Japão medieval, inimigos mortais desde então e que retomam sua batalha em Nova Iorque do século XX – e tais episódios ancestrais são narrados nas HQs através de flashbacks (que demonstram boa pesquisa histórica). Higuchi arrebata para si diversos aliados, enquanto Bishop pode sempre contar com a inestimável ajuda de Susan, além do Esquadrão Ninja da Polícia de Nova Iorque (!!!). Quanto as vestimentas, os ninjas do Bem só se diferenciam dos ninjas do mal por uma caveirinha estampada no capuz destes últimos. Os uniformes de Bishop e Susan aparecem magicamente quando ambos tocam os anéis que possuem (o que nos faz lembrar daquele desenho animado dos estúdios Hanna-Barbera, Shazzan), anéis que mostram o símbolo da dicotomia Bem-mal, yin-yang – esta mágica transformação de vestuário, por sua vez, parece inspirada nas histórias do Judoka (que começou combatendo o crime solitariamente, e com tempo acabou também ganhando uma parceira, Lúcia).
Se Guerreiro Ninja é diversão garantida, por outro lado levanta questão antiga, e muito pouco divertida: HQs no estilo super-herói feitas no Brasil, podem ou não ser consideradas “coisa nossa”? Isso realmente é uma discussão acadêmica que se arrasta há anos. Para vocês terem uma idéia, reparem que curioso comentário do sr. Moacy Cirne, publicado na Revista de Cultura Vozes, de janeiro/fevereiro de 1971, e que estarei reproduzindo na seqüência. Na ocasião, o sr. Cirne falava sobre o Judoka, personagem que na época alcançou inesperado sucesso de vendas pela Editora Brasil América Ltda. (Ebal), de Adolfo Aizen. Mesmo reconhecendo as virtudes do personagem e seus ilustradores, conclui o sr. Cirne, babando um marxismo de algibeira, que o Judoka, um herói brasileiro, não se coaduna com a estrutura ideológica da sociedade brasileira. Porque não serão aventuras no interior do Maracanã, no interior de Minas Gerais, no Pão de Açúcar ou em Recife, que o tornarão um herói de nossa gente, como um Macunaíma. Depois de ler isso, fiquei imaginando Carlos (o Judoka), diante de um perigo onde, além da troca mágica de uniforme, trocasse também a cor da tonalidade de sua pele... não creio que o sr. Cirne tenha mudado de opinião, mesmo passado tanto tempo (haja vista seus comentários mais recentes, ainda com o mesmo fervor marxista-gramsciano). O fato é que um personagem como O Guerreiro Ninja transgride visceralmente aquela assertiva feita pelo sr. Cirne em 1971: um gibi de herói feito no Brasil onde não só todos os personagens não são brasileiros, mas também a ação transcorre em outro país (no caso, os EUA), e que, entretanto, demonstra uma brasilidade entusiasmante. Tony Fernandes ambientou as aventuras do Guerreiro Ninja em Nova Iorque como poderia fazê-lo em qualquer grande cidade desse nosso planeta massificado, mas uma leitura atenta dos diálogos e uma boa percepção dos roteiros nos faz perceber inegáveis talento e bom humor muitíssimos brasileiros de seus criadores – incluindo aí uma saudável “tiração de sarro” dos estadunidenses.

2 comentários:

  1. Boa matéria e grato pela referência que fez ao Guerreiro Ninja. Muito sucesso!

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  2. Boa matéria e grato pela referência que fez ao Guerreiro Ninja. Muito sucesso!

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