segunda-feira, 26 de julho de 2010

PABEYMA

No ano de 1968, a Editora Edrel lançava nas bancas o primeiro número de Pabeyma – o primeiro, infelizmente, de uma curta série de quatro números (todos no formato americano, 34 páginas p&b). Uma pena que não tenha continuado por mais 400 números, tão formidável e precursora é esta criação de Nelson Ciabattari y Cunha, brilhantemente ilustrada por Paulo I. Fukue. Este, na ocasião, já havia criado outros dois heróis brazucas, que também foram publicados pela Edrel: Tarun (ok, mais adequado seria chamar-se “Tarzun”) e o interessantíssimo Super Heros (t.c.c. Heros). Fukue foi também ilustrador do ótimo Sanjuro, O Samurai Impiedoso, criação de Paulo Hamasaki, que seria lançado alguns anos depois, pela M&C Editores. Antes mesmo que o primeiro número de Pabeyma chegasse nas bancas, a sua primeiríssima HQ, aquela que contava sua origem, já havia sido lançada pela mesma Edrel no 4º. número de Super Heros. Para não republicar uma história que havia sido recentemente lançada (ainda não havia chegado a hora dos encalhes, nem dos almanaques), as primeiras páginas do primeiro número de Pabeyma apresentam um conto introdutório escrito por Ciabattari, narrando aos leitores a origem de Pabeyma, e mais: numa leitura atenta podemos perceber a riqueza da pesquisa feita para a concepção deste personagem e seu universo incomuns.
Penso que um artista, ao elaborar sua obra, o faz influenciado pelas dores e alegrias de seu tempo. E isso se aplica mesmo quando se aborda o estilo ficção-científica. Ainda que se trate de temas que mostram mundos futuros hipotéticos, prováveis, inconcebíveis, etc., o autor da obra tem no coração as angústias de sua própria época. E os leitores de qualquer obra feita no passado, devem levar isso em consideração. Reduzir uma obra futurista escrita no passado, como se fosse um simples exercício profético, é subestimar a capacidade do artista. Pouco importa se Jules Verne ou George Orwell acertaram ou erraram o futuro previsto em seus livros (e eles mais acertaram que erraram!). O que fica é o registro de cada época, sob o ponto de vista daquelas mentes criativas & inquietas. Da mesma forma, todo aquele que, lendo Pabeyma, seguir tais preceitos, vai se espantar até cair o queixo, percebendo estar diante de uma obra muito a frente de seu tempo. Pabeyma foi criado a partir das notáveis evidências que demonstram quase que irrefutavelmente a presença de seres de outros planetas na Terra, durante a antiguidade. E, se levarmos em conta principalmente aqueles gigantescos sinais iconográficos no topo da cordilheira dos Andes, os extraterrestres não só nos visitaram, mas muito provavelmente dominaram e governaram os povos antigos. E esta é a premissa inicial de Pabeyma: seres de um planeta distante chegam aqui e encontram homens vivendo com dinossauros. Bondosos, os visitantes espaciais livram os terrestres do martírio de Prometeu, repartindo sua vasta experiência com os autóctones – e não só isso: misturam-se a eles fazendo mescla das duas raças, e ainda deixam todo seu vasto conhecimento, como legado àquela nova geração. E os visitantes eram de um povo muito evoluído, que já dominava a ciência genética, já havia vencido a velhice e agora travava o desafio de superar a morte. E, o primeiro resultado desta nova empreitada, é uma criança gerada em laboratório, concebida não só para o esplendor físico, mas, graças a um feito cirúrgico notável, fôra implantado no cérebro desta criança toda memória e todo o conhecimento históricos, revelando-se assim todo o conhecimento desta nova humanidade, formada pelos filhos de terrestres com alienígenas. Perdendo-se ao longo dos anos, a criança perfeita cresce e recebe o afeto de uma tribo tupi-guarani, que o chama Pabeyma – que quer dizer “o imortal”. Seu notável saber e suas proezas físicas o transformam num líder em todo o mundo, até que é aclamado como diplomata universal, encarregado de resolver encrencas na Terra e fora dela.
O visual super-heróico do Pabeyma remete ao Visão/The Vision, personagem criado por Jerry Siegel (o autor do Superman) na década de 50 do século passado, e revivido por Stan Lee para a Marvel Comics na década seguinte. Por incrível que pareça, o primeiro número de Pabeyma é, de longe, o mais fraquinho dos quatro (não que seja ruim, os outros é que são bem melhores). O herói-diplomata, ser genético criado artificialmente, mas impregnado da alma tupi-guarani, vai até o planeta Marte resolver uns problemas desencadeados pela vaidade de uma orgulhosa rainha. As intenções pacíficas de Pabeyma fracassam e ele é obrigado a lutar contra um imenso eunuco, e até mesmo contra sua majestade – o que nosso herói não sabia era que, de acordo com as leis de Marte, aquele que vencesse a rainha em combate, era obrigado a desposá-la em matrimônio! Que patacoada, hein? Mas o bom humor também faz parte das aventuras de Pabeyma, sendo ele mesmo um sujeito muito espirituoso. Os três números restantes de Pabeyma é que vão mostrar porque este personagem, mesmo com passagem fulgurante pelo mercado editorial brasileiro, vem sendo lembrado por estudiosos e colecionadores de gibis, até os dias de hoje. E não é para menos: o “Herói Cósmico” é um exemplo de excelente ficção-científica nos Quadrinhos, um notável mundo futurista criado pelos autores e que revelam muito da época histórica em que foi feita. Vejam por exemplo, o que ocorre em Pabeyma n.2: a revista foi lançada entre agosto e setembro de 1968; e na história principal, a ação corre no ano de 1990. Segundo a visão dos autores, a insistente Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética havia causado um estrago e tanto no planeta: pesquisas & guerras genéticas haviam transformado a face dos humanos, agora seres híbridos com características animais – sendo mantidas, entretanto, as diferenças raciais e sociais. Estes novos seres humanos são conhecidos como “mutados” e, ao se descobrirem mais fortes e poderosos do que os humanos normais, tomaram-lhes o poder político e ainda iniciaram contra eles uma perseguição de intolerância. É aí que entra Pabeyma: com muita diplomacia, ele vai tentar resgatar os humanos normais, agora refugiados em seu próprio planeta. E é neste cenário que Pabeyma vai viver as aventuras publicadas nos números 2, 3 e 4 de sua revista. Aventuras de certa forma independentes, mas interligadas (o que pode ser constatado no final de cada história, sempre com um “gancho” para a seqüência, a exemplo dos antigos seriados do cinema). Suspense, ação, narrativa ágil, com as boas influências da Era de Ouro dos comics. E destaque para o traço marcante de Fukue (especialmente nas cenas de ação e luta), mais influenciado pelo Quadrinho europeu, do que o estadunidense, como bem observou o historiador dos comics, Antônio Luiz Ribeiro.
Ainda no segundo número, Pabeyma vai parar na região dominada por homens-alados; no terceiro número (o mais empolgante da série), o Herói Cósmico é obrigado a enfrentar alguns dos campeões dos “mutados” – e curioso é que, contra cada adversário, nosso herói aparece com um visual distinto. No quarto e último número, Pabeyma é capturado pelos homens aquáticos, e acaba ajudando-os a combater um polvo gigantesco. O quadro final anunciava uma próxima aventura, que jamais foi publicada (mas... terá sido escrita & ilustrada? Alguém sabe?). Uma lástima... mas, se Pabeyma sucumbiu ante a indiferença dos leitores patrícios, o tempo se encarregou de valorizá-lo – haja vista obras como o moderníssimo ByoCyberDrama, de Edgar Franco e Mozart Couto, que aborda muito dos temas vistos em Pabeyma.

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