Os Quadrinhos de Terror começaram a ser publicados no Brasil a partir da década de 50 do século passado, e, com o avanço da censura estadunidense sobre esse estilo de HQ, e para suprir os anseios do mercado editorial brasileiro, artistas pátrios passaram a produzir histórias de terror para inúmeros títulos lançados nas bancas. Iniciava-se, desta forma, uma admirável tradição dos Quadrinhos brazucas (tradição que, infelizmente, vem declinando juntamente com o declínio dos gibis de maneira geral). A partir da década de 70, especialmente com a revista Spektro, da Editora Vecchi, as histórias de terror passaram a ser narradas entre símbolos, lendas e paisagens brasileiras, notadamente nordestinas (onde se destacou o grande artista Elmano Silva – t.c.c. Mano – autor de personagens memoráveis como O Homem do Patuá e Trio Diabólico). Essa tendência de terror nacionalista, vamos dizer assim, prosseguiu com força total na revista Mestres do Terror, da Editora D-Arte de Rodolfo Zalla, um título que, tal como a revista Calafrio, da mesma editora, tornaram-se as mais longevas publicações do estilo terror, no mercado editorial brasileiro. E foi na revista Mestres do Terror, mais especificamente nos números 28 (de 1984) e 34 (de 1985), que Sidemar de Castro (roteiro) e Rubens Cordeiro (desenhos) apresentaram seus Contos Índios de Terror, destacando-se um interessantíssimo personagem brasileiros dos Quadrinhos: Jaguaretê.
A tradição tupi (e de outras tribos nativas do Brasil) em nossa formação cultural sempre teve sua força e, a despeito de todas as crueldades e injustiças que foram praticadas contra nossos indígenas, sobrevive até hoje. Na música, na literatura, no cinema e também nas Histórias-em-Quadrinhos, os índios sempre foram tema & fonte de inspiração para diversos artistas. E nossos quadrinhistas, mesmo vivendo num Brasil cada vez mais urbanizado, não se esquecem de nossas tradições ancestrais e, vira-e-mexe, criam alguns heróicos personagens indígenas que abrilhantam as páginas dos gibis – seja no estilo realista, como é o caso do Jaguaterê, seja no estilo infanto-juvenil, como o surpreendente Krahomim, do versátil Elmano Silva, o mesmo que inovou nas HQs de terror durante a vida editorial da Spektro.
Tivemos somente duas HQs apresentando o personagem Jaguaretê, mas ambas muito marcantes, que merecem destaque em futuras antologias da HQB. O traço maravilhoso de Rubens Cordeiro faz jus aos textos de Sidemar de Castro, ricamente embasados em pesquisa antropológica, roteiros que agradam em cheio aos fãs de aventura e terror, ao mesmo tempo em que se tornam profundas metáforas sobre um pouco da alma e da História dos homens. Na aventura publicada no número 28 de Mestres do Terror, Jaguaretê estréia mostrando ser um instigante jovem tupi, valoroso guerreiro, e bastante irrequieto, haja vista as incansáveis perguntas que faz ao ancião & feiticeiro da tribo. Este último, sabendo estar vivendo seus últimos dias na Terra, dizia a seu jovem pupilo que, somente após derrotar o terrível & traiçoeiro monstro Jurupari, só derrotando este monstro é que Jaguaterê teria condições de se tornar um pajé. A coragem do jovem guerreiro tupi o leva ao êxito, enfrentando um monstro que representa o pior medo dos homens, o “eu interior”, os nossos próprios demônios.
Se na primeira história de Jaguaterê temos uma profunda visão das angústias humanas, a HQ publicada no 34º. número de Mestres do Terror, é uma tremenda – e macabra – alegoria histórica. Desta feita, Jaguaretê, já consagrado como pajé da tribo, precisa enfrentar um terrível monstro que vem trucidando os habitantes de seu povo. Este monstro das profundezas representa, igualmente, os maus agouros do destino: é o Ipupiara, o arauto do fim do mundo – ao menos o fim do mundo dos tupis, que começava a ruir com a chegada dos europeus em território brasileiro.
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