Um dos maiores flagelos da humanidade e que persiste até os dias de hoje, as guerras são também motivo de grande fascinação, já que é assunto retratado em diversas formas de arte, e as Histórias-em-Quadrinhos não ficariam de fora desta. Se nos dias de hoje a produção no estilo é quase inexistente (uma honrada e talentosa exceção encontra-se no álbum Destemido, organizado por Dennis Oliveira), no passado foram feitos milhares de títulos em gibis narrando histórias do que acontecia nos campos de batalha. Os EUA possuem tradição de se envolver em conflitos diversos – e, mesmo com todos os defeitos que tenha como nação, dos pecados de seus governos, foi o grande guardião da liberdade durante a II Guerra Mundial, e esta tradição gerou uma formidável geração de contadores de histórias de guerra. Muitas destas histórias vieram parar nos Quadrinhos, um gênero que rapidamente tornou-se muitíssimo apreciado nos tempos de grande popularidade dos gibis. Dentre os roteiristas, o nome de Robert Kanigher é o primeiro que nos vêm à cabeça, não por ser um precursor do estilo, mas por sua vasta produção e principalmente pelo tom renovador de suas histórias, deixando de focar os atos heróicos simplesmente e dando mais destaque aos nobres sentimentos humanos que afloram mesmo em circunstâncias tão terríveis. Kanigher apresentava-nos em suas histórias de guerra personagens tremendamente humanizados, aboradva temas profundos, intensos, sem jamais se descuidar da finalidade da HQ: entreter o leitor. Todos estes ingredientes Kanigher levou a seu personagem mais famoso, o Sargento Rock da Companhia Moleza (Sgt. Rock), que apareceu originalmente nas páginas de Our Army At War e cujo sucesso galgou o personagem a um longevo título próprio, bem sucedido entre os leitores brasileiros também, tendo sido publicado pela Ebal. Cito Kanigher como representante de uma geração de notáveis roteiristas. Já dentre os artistas brasileiros dos quadrinhos que durante os anos 60 do século passado tiveram a oportunidade de escrever e desenhar sobre histórias de guerra, seguiram a linha de Kanigher, e como o Brasil também teve sua participação, sua importância no desfecho do conflito da II Guerra Mundial, não faltaram histórias, não faltou inspiração! Os soldados e oficiais da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que entre erros e acertos cumpriram valorosamente sua missão nos campos de batalha da Europa, já haviam se tornado conhecidos personagens de gibis (em títulos como Conquista e Combate), quando na metade final dos anos 1960 a Gráfica & Editora Penteado (GEP), de Miguel Falcone Penteado, lançou nas bancas o gibi Diário de Guerra, propondo aos leitores logo na capa do primeiro número a chamativa advertência de que se tratava de “uma revista de guerra diferente”. E talvez tivesse mesmo razão: publicando HQs produzidas exclusivamente por artistas brasileiros (ou estrangeiros aqui radicados), muitas das histórias lançadas nesta revista mostravam personagens profundamente humanizados, revelando aos leitores situações reais vividas pelos pracinhas brasileiros - não foi a toa que, dentre os roteiristas da GEP estava Alberto André Paroche, um legítimo ex-pracinha que havia visto de perto os horrores, e, paradoxalmente, a solidariedade nos conflitos bélicos na II Guerra. Garth Ennis, badalado roteirista da moçada de hoje em dia, que se destacou pela excessiva violência explícita com que narra suas histórias, na GEP seria no máximo contínuo, ou office boy. Coube a mim a sorte de encontrar quatro números desta coleção, num sebo na cidade paulista de Bauru: os números 1, 7, 8 e 10, lançados nas bancas brasileiras provavelmente entre os anos de 1968 e 1969. A seguir vamos comentar mais detalhadamente cada um destes gibis.
Diário de Guerra n.7 traz belíssima capa de Rubens Cordeiro, e começa com “O Grande Covarde”, escrita por Milton Mattos e desenhada pelos irmãos Edno e Edmundo Rodrigues (o notável autor de Jerônimo Herói do Sertão, entre tantos outros personagens em Quadrinhos). No confronto com os alemães, um soldado da FEB angariava forte antipatia dos oficiais e dos colegas, pois se mostrava como um fervoroso cristão e por isso se recusava a tirar a vida de outrem. Ganhou o apelido de “Bíblia”, pois vivia citando os versículos sagrados aos companheiros, mesmo diante de fogo cerrado. Mas, quando a “cobra vai fumar” (o lema dos combatentes em ação), “Bíblia” surpreende pela impetuosa coragem - e sempre agindo como deve agir um bom cristão. Os irmãos Rodrigues se destacam por mostrar nas HQs um estilo que se assemelha ao do mestre Joe Kubert. Segue o número 7 com memorável HQ escrita e desenhada por Rodolfo Zalla, chamada “O Equilibrista”, que aborda um tema comum à FEB: a diversidade dos pracinhas, não só regionais mas também nos ofícios & profissões dos soldados que formavam as tropas. Aqui, um telefonista e um equilibrista de circo é quem vão tentar resolver a parada, cortando fios que eram essenciais para as comunicações entre os inimigos. Esta HQ foi republicada anos depois, já na década de 1980, num gibizão da Editora Ninja de Fernando Mendes, Pelotão Suicida (que é, a propósito, o nome de outro gibi de guerra contemporâneo do Diário de Guerra, mas lançado por outra editora, a Jotaesse). A sétima edição se encerra com chave-de-ouro, com outra notável HQ da dupla Paroche-Zalla: “Santa Maria Villiana”, onde o próprio Paroche é o narrador, lembrando um episódio ocorrido realmente, uma batalha em destroçada cidade italiana onde o roteirista e ex-pracinha perdeu muitos de seus colegas, e muitos alemães perderam a vida também - mas nem o bombardeio conseguiu destruir a imagem da Santa Maria. Pode-se “acusar” esta HQ de ser amargurada e pessimista, mas não foram estes os sentimentos predominantes durante os conflitos? É perfeitamente compreensível que um participante, em espectador vivo e presente daqueles tristes acontecimentos, traga em seu coração algumas mágoas, alguns traumas, sentimentos e lembranças muito difíceis de se lidar.
muito interessante esses quadrinhos nacionais sobre a FEB e a 2ªGuerra.Gostei.
ResponderExcluirPrezado(a) administrador(a),
ResponderExcluirEstou desenvolvendo uma pesquisa de doutorado, analisando as formas como a FEB foi retrata nos HQs dos ano 1950 e 1960.
Em pesquisa no google encontrei o post/reportagem (http://www.bigorna.net/index.php?secao=gibizoide&id=1300553461) redigida pelo Sr. José Salles e gostaria se possível ter contato com o mesmo, para poder trocar idéias e conseguir auxilio na busca pelos HQs.
Grato pela atenção e qualquer possível ajuga.
Bruno Villela (pessoaevillela@hotmail.com)
Entre no blog Traços de Guerra.
ExcluirPrezado Bruno, sou eu mesmo o administrador desse blog, infelizmente já não tenho mais nenhuma dessas revistas, e são realmente difíceis de se encontrar. Boa sorte em sua busca nos sebos e afins!
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