Dentro do estilo cinematográfico aventura & ficção-científica, sobressaem na preferência dos cinéfilos os filmes com monstros gigantes, estilo de filme que vem preenchendo as telas e encantando os olhos das platéias ao longo dos anos, e que continua até os dias de hoje, haja vista as diversas produções apresentando monstros de todo tipo destruindo cidades e aterrorizando a humanidade – gênero que ganhou ainda mais força, diante das inovações tecnológicas e da evolução da informática. Os artistas das Histórias-em-Quadrinhos, eles também quase sempre cinéfilos inveterados, certamente não escapariam desta influência. E aqui no Brasil temos um ótimo exemplo de HQ de monstrão detonando tudo, num gibi lançado na segunda metade da década de 60 do século passado pela Gráfica & Editora Penteado (GEP): Fantar, um ótimo personagem numa coleção que infelizmente durou somente 4 números (todos em formato americano com 32 páginas em p&b), com histórias assinadas por Milton Mattos e ilustradas com a competência & talento habituais de Edmundo Rodrigues.
E o número 1 começa com a corda toda, logo no primeiro quadro, ocupando mais da metade da página e mostrando imagem que relembra os formidáveis cartazes dos memoráveis filmes de monstro das décadas passadas – seguida de uma rápida explicação da origem do Fantar: é o resultado de uma experiência genético-atômica projetada por uma quadrilha maléfica denominada Organização dos Sete Sábios (O.S.S.), com o nefasto intuito de destruir as cidades e dominar o mundo, ou o que restar dele. Por isso foi criado esse monstro enorme, irracional e indestrutível – e é assim que Fantar inicialmente se comporta, como um genuíno Godzila tupiniquim. Acontece que um renegado da O.S.S., o dr. Branny, é quem revela ao Serviço Secreto incumbido de destruir Fantar que aquela criatura apavorante é um ser humano transformado naquele gigantesco e disforme monstro através de experiências genéticas. Fantar fôra dotado de inteligência pífia, máquina de destruição cheia de inexplicável ódio, por isso se comporta assim, “meio” burrão. E reparem na potência do bicho: a cada ataque atômico que recebe, não sente um arranhão, e pior: cresce em tamanho & força! Fantar só pôde ser impedido graças a uma certa gosma melequenta inventada pelo dr. Branny. A história termina em suspense: teria perecido o Fantar? Só se as vendagens fossem muito baixas.Ainda bem que, mesmo remando contra a força da indústria dos comics norte-americanos, e do desprezo de boa parte dos leitores brasileiros que abominam, mesmo sem conhecer, qualquer obra em Quadrinhos feita por conterrâneos, um segundo número do Fantar chegou nas bancas, com mais duas histórias: primeiramente em “A Ameaça de Tunamar”, nosso monstro reaparece próximo de um reino submarino desconhecido pela civilização terrestre, um país aquático chamado exatamente Tunamar, governado & habitado por povo belicista, pronto para invadir o planeta e tomar a superfície de assalto. E quem chega a tempo de impedir o nefasto plano dos tunamarianos é o próprio Fantar, que, dentre vários perigos, encontra seu maior desafio numa batalha contra um polvo igualmente gigantesco. E Fantar deve mesmo ter se cansado nesta aventura, pois sequer aparece na história seguinte, focada no dr. Branny que estava sendo alvo de atentados letais provocados pela O.S.S. – e enquanto isso, o dr. Branny se mostra um sujeito meio “chove-não-molha”, ao ser assediado pela bonita Miss Dotty, secretária e filha do chefão do Serviço Secreto, sugestivamente conhecido como Mr. Leader.
No terceiro número de Fantar temos também mais duas histórias, começando com “Os Invasores”, uma divertidíssima HQ de ficção-científica, com Fantar enfrentando uma invasão alienígena na Amazônia, detonando vários discos-voadores. Enfraquecido por não receber as habituais cargas atômicas, Fantar acaba reduzido ao tamanho de um ser humano – menos mal que acaba ficando mais inteligente do que antes. E, se nos dois primeiros números Fantar era uma grande ameaça para a humanidade, aqui acaba se tornado um super-herói, salvando a Terra de uma invasão alienígena. Já a segunda HQ do número 3 de Fantar chama-se “A Volta de Mr. Leader” – “volta” porque descobriu-se que o chefe do Serviço Secreto havia sido capturado e substituído por um espião impostor. E continua a busca por Fantar, que recuperara seu gigantismo. Prossegue também o flerte mal-resolvido entre Branny e Miss Dotty. O quarto e derradeiro número de Fantar começa com “Nas Portas de Shambála” (“Sambála”, na capa), apresentando um fabuloso quebra-pau entre Fantar e um tiranossauro das terras dos incas. E a segunda HQ deste 4ª. número fecha com chave-de-ouro a carreira deste gibi entre nós: “Os Inimigos de Miss Dotty” é quase uma HQ erótica, mostrando fartamente as personagens femininas em biquínis (Miss Dotty, uma espião da O.S.S. e uma outra, coadjuvante). Bem, há também alguns bandidos, para que não nos esqueçamos que estamos lendo um gibi de aventura. Miss Dotty mostra ser hábil no judô, derrubando um dos facínoras espiões. Fantar, o dono do gibi, tem participação totalmente dispensável, aparecendo em irrisórios três quadros.
E terminava assim a saga de Fantar no mercado editorial brasileiro, mais um que sucumbiu diante dos poderosos inimigos externos e internos, mas ainda presente na imaginação dos leitores da época e na dos novos leitores interessados & curiosos a respeito da HQB. Há alguns anos, muito depois do Fantar, surgiu um personagem estadunidense visualmente parecidíssimo com o brazuca, uma coisa chamada Savage Dragon, uma das maiores porcarias da História dos comics – e mesmo assim teve mais leitores brasileiros do que o Fantar. Mais um típico exemplo do rodrigueano “complexo de vira-latas” que atormenta a alma brasileira.